quarta-feira, 17 de abril de 2019

Epicurismo,Estoicismo e cinismo.

Introdução

A morte de Alexandre III em -323 assinala, tradicionalmente, o fim da pólis como modelo de unidade política e o começo da difusão da cultura grega no Oriente. Nem mesmo a meteórica expansão de Roma e a conquista das monarquias helenísticas foi capaz de afetar, posteriormente, a predominância cultural do helenismo em todo o Mediterrâneo Oriental.
Durante o conturbado Período Helenístico, o homem deixou de ser o componente mais importante de uma comunidade restrita para se tornar um simples cidadão de vastos impérios. A perda da importância política individual fez muitos se dedicarem cada vez mais à busca da felicidade pessoal através da religião, da magia ou da Filosofia.
As principais escolas filosóficas[1] do Período Helenístico foram o cinismo, o ceticismo, o epicurismo e o estoicismo. Todas procuravam, basicamente, estabelecer um conjunto de preceitos racionais para dirigir a vida de cada um e, através da ausência do sofrimento, chegar à felicidade e ao bem-estar.
Das antigas escolas filosóficas, a Academia envolveu-se durante algum tempo com o ceticismo, e depois voltou ao caminho original, traçado por Platão; o Liceu, fundado por Aristóteles, afastou-se cada vez mais da filosofia e da erudição e se devotou, principalmente, à literatura.

Epicurismo

Dentre os diversos filósofos epicuristas cujo nome chegou até nós, o de maior importância é o próprio Epicuro (gr. Ἐπίκουρος), fundador da escola.
Biografia e obras de Epicuro
Epicuro nasceu em Samos por volta de -341, de pais atenienses. Ensinou em Mitilene e em Lâmpsaco, tendo se transferido para Atenas em -307 ou -306. Lá adquiriu a ampla casa com jardim que iria sediar sua escola, logo conhecida por “Jardim de Epicuro”. Nela, mestres e discípulos viviam comunitariamente em tranquila reclusão.
Segundo Diógenes Laércio, Epicuro escreveu cerca de trezentas obras sem citar outros autores, isto é, registrando somente suas próprias idéias (D.L. 10.26-27). Chegaram até nós apenas três cartas, duas coleções de máximas e citações fragmentárias. O romano Lucrécio (-94/-55), felizmente, preservou em seu De Rerum Natura informações importantes a respeito da doutrina epicurista.
Epicuro morreu em -270, em Atenas, por causa de cálculos renais, e legou seus bens à escola.

A doutrina epicurista

A aquisição do saber e a limitação dos desejos físicos, instáveis por natureza, são instrumentos essenciais para se libertar dos sofrimentos. A finalidade da vida é a busca da felicidade, obtida ao se atingir a ataraxia (gr. ἀταραξία), a “ausência de distúrbios”, a tranquilidade da alma. Para tanto, é necessário se livrar de todas as ansiedades, inclusive o medo dos deuses e o medo da morte.
Influenciado pelos atomistas, para quem o mundo era constituído de átomos e de vazios, Epicuro também explicava o mundo físico assim, em termos inteiramente naturais. Mas para ele a natureza não era, de modo algum, rígida; nada era imutável e determinado. Movimentos espontâneos e aleatórios dos átomos em seu trajeto normal, por exemplo, dariam ensejo ao livre arbítrio. De tudo o que existe emanam átomos que, ao se chocar com o corpo humano, tornam a realidade inteiramente apreensível pelos sentidos e produzem as idéias.
Epicuro acreditava na existência dos deuses, mas relegava-os a planos isolados e à parte, os intermundia, e rejeitava terminantemente a intervenção divina em assuntos humanos. “Os deuses”, concluiu ele, “têm coisas mais importantes a fazer”.


Estoicismo

A escola estóica floresceu durante muitos séculos, tanto na Grécia como em Roma. A palavra estoicismo vem de stoá, da expressão grega στοά ποικίλη, o “pórtico pintado” de Atenas[1] onde o fundador da escola, Zênon de Cítion, se reunia com os discípulos.
Fases
Tradicionalmente, a evolução do estoicismo é dividido em três fases, conhecidas por stoá antiga, média e nova.
A stoá antiga compreende a época do fundador, Zênon de Cítio (-333/-262), e dos primeiros escolarcas atenienses, Cleante de Assos (-331/-232) e Crisipo de Soli (-280/-207). Com a stoá média, que abrange a época de Panécio de Rodes (-185/-109) e de Posidônio de Apaméia (-135/-51), o estoicismo recebeu grande influência do platonismo e chegou a Roma.
Na última fase, a da stoá nova, o estoicismo foi dominado pelos romanos e seus principais representantes foram Lucius Annaeus Seneca (Sêneca, o Jovem, -4/65), Epicteto (55/135) e o imperador romano Marco Aurélio (121/180); somente os dois últimos deixaram obras em grego.
O estoicismo influenciou consideravelmente o neoplatonismo e, embora nunca tenha desaparecido totalmente, a vitalidade e a importância da escola declinaram progressivamente a partir do século III.
A doutrina estóica
O que sabemos atualmente da doutrina estóica se baseia um pouco nos fragmentos disponíveis dos primeiros filósofos e muito nos escritos dos filósofos do Período Greco-romano (stoá nova).
O estoicismo não veio propriamente do nada. Os filósofos da stoá antiga, que estabeleceram a base da doutrina, receberam diversas influências. Heráclito de Éfeso, por exemplo, influenciou a Física; Diodoro Crono (c. -300), a Lógica; os cínicos e, consequentemente, Sócrates, a Ética. É praticamente impossível determinar com certeza a contribuição individual dos estóicos mais antigos. Para Zênon, aparentemente, a virtude era o objetivo final da vida, e prazer e dor não tinham importância; Cleante, em seu Hino a Zeus, discorreu sobre o livre-arbítrio; Crisipo sistematizou a doutrina em um sistema coerente que compreendia a Lógica, a Física e a Ética e parece ter se interessado, predominantemente, pela Lógica.
Para os estóicos, o universo é constituído de um aspecto passivo, a matéria, e de um elemento ativo, coesivo e criativo que permeia a alma de tudo o que existe; a alma humana é uma parcela desse elemento ativo e, portante, parte do todo. Para esse “princípio ativo”, visto como uma entidade suprema que cuida da humanidade, diversos nomes eram usados: “o deus”, Zeus, éter, fogo criativo, destino, ordem, λόγος (“razão”), etc. O universo é cíclico: começa com o elemento ativo, depois são criados e organizados os quatro elementos (água, fogo terrestre, ar e terra) e, finalmente, o fim chega com uma conflagração. A Terra é o núcleo do universo. Os ciclos são autônomos e se repetem indefinidamente, sempre com o mesmos detalhes: a recorrência de todas as coisas é eterna.
A lógica estóica, muito complexa, era primariamente dedutiva e estava baseada na razão e na argumentação que envolvia três aspectos da palavra: o som (φωνή), a significância (λεκτόν) e o objeto designado pelo som significante (ἐκτός ὑποκειμένων). Os principais significantes eram as asserções, que podiam ser ligadas por sequências complexas de condicionais (se …, então …) cujo valor era dado tão-somente pela veracidade de cada elemento. Essa lógica não se baseava em silogismos[2], como a de Aristóteles.
A ética, uma das constribuições estóicas mais conhecidas, consistia em viver de acordo com a natureza, i.e., conforme as leis gerais com que o “elemento ativo” controla o universo. A virtude é o bem supremo e pode ser atingida pela inteligência (saber o que é bom e mau), pela bravura (saber o que temer ou não temer), pela justiça (saber o que cabe a cada um) e pelo auto-controle (saber quais paixões moderar ou extinguir). Assim, aderindo à ordem natural do universo, o sábio consegue atingir a apatia ou indiferença (ἀπάθεια) diante dos acontecimentos e chegar à felicidade (εὐδαιμονία), tornando-se então semelhante ao princípio ativo que permeia e periodicamente recria o universo.

Sêneca

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